photo: Danny Lyon
Chegavas sempre atrasado, mas eu esperava-te à hora marcada como se acreditasse que um dia o destino te empurrasse mais depressa. Nunca empurrou. Dias houve que nem chegaste e eu ali. Ficava até a noite cair, até que alguém me perguntasse se precisava de ajuda, até decorar a silhueta dos prédios à volta. Nunca te esqueci. Os caminhos continuam a ser os mesmos, a dor continua a ser a mesma, o sonho de te ver a descer a rua na tua carrinha castanha já desbotada permanece como se fosse um filme visto e revisto.
Sempre me arranjei melhor para ir ter contigo, fazia questão que me olhasses como olhavas as mulheres que saem nas revistas, belas e com um ar feliz, como se nada na vida delas merecesse um esmorecer de um sorriso. Quando ia ter contigo todos os problemas desapareciam, gostava que visses em mim uma maneira de esquecer o teu dia, sujo e cheio de pessoas que não vão deixar história. Tu eras diferente, tu tinhas-me a mim, tu não precisavas do bar para chegar ao final de cada dia, não precisavas de desabafar com estranhos, tu tinhas-me a mim, e ainda assim quase não falavas. Conheci-te melhor pelo teu silêncio que por qualquer palavra que tenhas dito.
Quando fazíamos amor no banco da tua carrinha nunca tinhas pressa, rias-te, era a única altura em que te via sorrir de uma maneira que parecia verdadeira. Acho que eras tímido, quando ficávamos em minha casa, quase nem falavas depois de fumares, vestias-te e deixavas-me 5 dólares em cima da mesa para ir de táxi para o trabalho nesse dia.
Tenho medo de te esquecer, medo que se apague o que senti por ti, o que ainda sinto. Medo que outro homem me roube a alma e o corpo, e limpe os vestígios de ti para sempre. Tenho medo de poder ser feliz. Tenho medo porque nunca o fui.
Eu era tua, tu nunca foste meu.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
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3 comentários:
adorei o texto! a sinceridade em admitir supostamente algo menos correcto (amor não correspondido) é brilhante.
Obrigada pelo comentário Ana, mas na verdade é ficção, foi escrito a propósito da imagem do Danny Lyon. Mas podia ser real, o admitir um amor não correspondido não tem de ser uma fraqueza.
Eu percebi que era ficção ou melhor calculei. Ainda assim mantenho o meu comentário, pois vê-se que escreves com a alma, como se facilmente conseguisses colocar-te no lugar de outrém. E isso é raro :)
Eu também acho que não é uma fraqueza, mas acho que a sociedade acha: quantas vezes nos é dito ou lemos em algum lado que temos é que seguir em frente e não pensar mais nisso, como se de uma doença se tratasse? Por isso é bom ler algo que supostamente não se deve admitir, ainda que seja ficção!
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