terça-feira, 25 de junho de 2002

Já não há heróis

Recebi por correio electrónico esta frase que vem, neste momento, resumir o espírito e a opinião de muitos portugueses. Achei por bem comentá-la no dia em que a capa de um dos diários desportivos nos dava conta de uma triste, também a meu ver, intenção do jogador em causa.
Na véspera do jogo com a Coreia, as televisões divulgaram até à exaustão uns versos que Manuel Alegre amanhou e dedicou a Figo. Nem sonho discutir a qualidade literária dois mesmos, mas confesso que a pompa involuntária do Sr. Alegre, numa celebração precoce do "menino da camisola sete", em "cada rua" e nos "campos do mundo" inclinou-me mais para o riso do que para a comoção. Na verdade, celebrar o quê???

Celebrar o quê?...Pergunta-se ... Será por ter sido considerado o melhor jogador do mundo durante o ano passado? Será por esse facto ter acontecido apenas pela segunda vez na história de um dos países mais modestos da Europa? E da primeira, a quando da brilhante carreira de Eusébio, esse prémio nem sequer existir?

Será por ser uma altura mais apropriada do que a da própria distinção, em que Luis Figo apenas disputava a Liga espanhola, a Taça do Rei em Espanha e a Liga dos Clubes Campeões da Europa, que mais tarde viria a conquistar, tornando-se num dos poucos portugueses a consegui-lo...e neste, ou no momento em que o dito poema foi dado a conhecer ao público, ele se encontrar a representar a selecção do seu país, que afinal também é o nosso?

Será que os portugueses nunca se lembram das alegrias e das vitórias que já viveram, quando o desaire lhes bate à porta? Será que a memória sensitiva dos portugueses só retém o que lhes faz sofrer? Será que há mês ou dia certo para se elogiar, ou homenagear personalidades que durante meses, anos, décadas até, levaram e elevaram tão alto e longe o seu nome e o nome de seu país?

Foi tudo em troca de dinheiro, alguns dirão, pois foi...chama-se profissional, aquele que troca o seu trabalho e esforço, por cheques ou transferências bancárias. Será que por se receberem milhões não se merecem homenagens ou reconhecimentos pelo seu trabalho? Será que por se receberem milhões não se lhe reconhecem fraquezas ou falhas? Portugal tem empresários, políticos e demais profissionais que falham, erram estratégias que desmoronam impérios, que praticam actos de corrupção...e tudo em nome individual.

Será que também eles não denigrem o nome do país? Esses também ganham milhões, mas não têm passes de transferências, e muito poucos sabem o quanto eles ganham. Não vem no jornal o seu salário, nem a casa que construíram. E muitos não ligam sequer aos seus erros, pelos quais provavelmente (e esses sim) vai pagar também.


Em Portugal só se apoia aqueles que estão em cima, quando é lá em baixo que mais se precisa. No desporto, como na vida, com a agravante de não ser apenas moral ou psicológico, mas físico também, há momentos altos e baixos. Momentos, meses e anos bons e muito bons, outros nem tanto. E se alguém acredita que existe alguma vontade ou que não custa viver os "nem tanto", desacredite-se. Quando se está no topo, já se lá está, quando não, nunca se sabe se lá se vai voltar...

Já não há heróis...e se alguma vez houve, para mim, nunca saíram do papel ou das telas de cinema. E já agora...os versos que "divulgaram até à exaustão" junto de imagens que nos lembram momentos marcantes de uma parte da sua carreira futebolística de Luis Figo, inclinaram-me sim para a comoção, e para um SOrriso talvez...ali estavam algumas das minhas alegrias, que pela reacção portuguesa ao recente desaire, já foram esquecidas por muitos.

P.S - "Luís Figo, o mais emblemático de todos os jogadores portugueses desde Eusébio, está a ponderar seriamente a possibilidade de não voltar a representar a equipa nacional na sequência dos acontecimentos que têm vindo a rodear a Selecção. Até aqui idolatrado pelos adeptos portugueses, Figo parece ter baixado subitamente, também ele, a sua cotação na bolsa de sentimentos dos apaixonados pelo desporto-rei em Portugal." in "O Jogo".